X

O que você está buscando?

  • Categoria

  • Tipo de conteúdo

Especial > Saudação à Mulher

Saudação à Mulher

Por Sônia Cintra*

Se levarmos em conta nossa Civilização Ocidental, a poética da mulher abrange desde a Antiguidade Clássica até a atualidade. São quase trinta séculos! Inúmeras pessoas dedicaram-se e dedicam-se à pesquisa e ao estudo desse tema, sob vários os enfoques, dentre os quais dois se sobressaem pela intensidade com que são abordados:

– a poesia inspirada na mulher

– a poesia escrita pela mulher

Em homenagem ao Dia Internacional da Mulher, vamos conversar um pouco sobre o segundo enfoque, ou seja, sobre a poesia escrita pela mulher. É na subjetiva visão feminina de mundo que mergulharemos, tentando, com muito zelo e humildade, desvendar o universo feminino legado a nós através da expressão verbal escrita. Adotando o critério da diacronia, traremos à baila Safo de Lesbos, poeta grega do século VII a, C., que fundou uma escola para moças aprenderem as artes de Afrodite, a deusa do amor, e escreveu versos líricos, num tempo em que vingavam epopeias, sobretudo as atribuídas a Homero, “Ilíada” e “Odisseia”, cujas peripécias eram eminentemente masculinas.

No livro “Eros, Tecelão de Mitos – A Poesia de Safo de Lesbos”, de Joaquim Brasil Fontes, lemos: “A XV Carta de Ovídio, poeta latino, do tempo de Augusto, traz informações a respeito de Safo, das amigas, dos amores, da família e até mesmo de seus traços físicos, mas desconhecemos as fontes ovidianas. Ovídio teve diante de seus olhos a obra completa de Safo, que os séculos futuros iriam desfazer, mas não pode captar quase nada das coisas que ela escreveu; contentou-se com um esquema narrativo cheio de lances espetaculares”. Joaquim também faz referência à “Suda”, antigo livro bizantino, compilado no século X d.C., que confirma o fragmento de um farrapo de papiro manuscrito em grego, que data do século II a. C., sobre Safo.

Na referida obra, Fontes, transcreve os poemas escritos em grego e suas possíveis formas de tradução, comentados e analisados com rigor, dentro e fora do próprio contexto em que se inserem, ou seja, a Grécia Antiga. Daí refletirmos que a poética de Safo de Lesbos traduz o universo feminino em seu mais amplo e profundo sentido:

 

 VIRGINDADE

– Virgindade, virgindade! Fugiste de mim para onde?

– Não mais te verei a ti, a ti não mais voltarei.

 

O RAMO

A quem, marido amado, te comparo?

Ao dócil ramo, amado, te comparo.

 

Ao que consta, Safo só teve uma filha, que nasceu na Sicília, durante seu exílio por motivos políticos contrários à tirania de Pítaco, e a quem deu o mesmo nome de sua mãe, Kleis. Para ela dedicou o poema que se segue:

 

MATERNIDADE

Tenho uma bela menina

tão gêmea, tão! das flores

de ouro: amor só meu

e chama-se Kleis.

Não a daria nunca

por toda a Lídia

e nunca por Lesbos

a daria também.

 

No fragmento abaixo, Safo reúne mãe e filha:

 

KLEIS, KLEIS

Dizia minha mãe Kleis

………………………………

que, quando jovem, bastava

no cabelo uma fita vermelha

como toucado. quem tivesse,

ó graças, cabelo mais loiro

do que um facho luminoso,

só com flores em grinalda,

e leves!, aos olhos seria belo.

Ora, a ti, Kleis, filha minha,

de Sardis bem te ia uma fita!

……………………………………….

 Safo era tida como mulher de pequena estatura e sem beleza física para os padrões da época. Não se descarta, entretanto, o poder de sedução de seu sorriso e o refinamento de suas maneiras e palavras:

 

LUA CHEIA

As estrelas ao redor

da lua bela

longe o brilho escondem

quando,

plena de fulgor,

mais ela

se entorna

cheia

pela terra.

 

 

MAÇÃ MENINA

No alto do ramo,

alta no ramo mais alto,

uma tão rosa maçã:

esqueceram-na os apanhadores

de fruta. Esqueceram-na?

Não! mãos não tiveram

Para a colher.

 

 

OURO 

O ouro

do grão de bico

alto despontando

pelas margens!

 

Sabe-se que ao retornar do exílio, Safo, nascida na aristocracia grega, fundou uma escola para moças em Mitilene, onde lecionou artes, música, canto, dança e poesia que expressam o cotidiano e os costumes gregos e da região:

 

MÉLIS

Fino, fio, fuso

– assim Mélis fiava

Um fino fio fino.

 

SANDÁLIA

Pairava-lhe no pé uma sandália,

bordada e púrpura,

lídio e belo lavor…

 

DANÇA

Com brandos pés

eis dançavam, certa vez,

raparigas de Creta.

 

Lentas rodavam ao redor da ara

e pela erva, delicadas,

mal pisavam flores campestres.

 

O tema do amor, das bodas, da viuvez e da morte estão presentes em sua obra poética

 

QUEM TECE

Querida mãe, a teia

não mais teço. Por um rapaz

de amor me dobra

a sempre terna Afrodite.        

                                              

VIGÍLIA

Ao longo da noite longa

cantam meninas, ninas,

o teu amor – e o da noiva

cingida de violeta.

Acorda, vai e chama

os teus amigos impúberes:

e se durma ainda menos

do que dorme o rouxinol

 

EROS

Deitaram-se lua

e plêiades. A noite

em meio, em fuga o tempo

– e eu dormindo só.

 

ADÔNIS

O doce Adônis morreu, Afrodite: que fazer?

– Flagelai, moças, os vossos seios,

rasgai, amigas, as vossas vestes.

 

A preocupação ética e estética de Safo revela sua consciência artística:

 

O BELO E O BOM

Quem é belo

é belo aos olhos

– e basta

 

Mas quem é bom

é subitamente belo.    

 

No século XI sua obra, acusada de hipocrisia e imoralidade, foi queimada. Só em fins do século XIX é que dois arqueólogos ingleses descobriram em Oxirrinco (Egito), por acaso, sarcófagos com tiras de pergaminho, numa das quais eram legíveis seiscentos versos de Safo. Sua obra revela a visão de mundo da mulher grega, de seus anseios, de suas angústias, de sua inserção social e de seu erotismo criador. Revela, também, costumes e tradições da Grécia Antiga que não constam dos compêndios históricos.

Se nascida em Eresos ou Mitilene, a esfinge de Safo encontra-se cunhada em moedas de ambas as cidades. Os versos sáficos ganharam a mesma importância dos versos heroicos na literatura ocidental. Sua obra foi universalmente consagrada à eternidade, como, aliás, já previam na Antiguidade Clássica os dizeres de Platão, válidos até nossos dias, e com os quais saúdo todas as mulheres do mundo:

Dizem que são nove, as Musas. Como se enganam!

Pois contem bem: com Safo de Lesbos, dez elas são

 

  *Sonia Cintra é mediadora do Clube de Leitura-CJ e da Academia Paulista de Letras.

 

Veja também:

Comentários

Exibindo Comentários